Boi das cinco

Éramos todos à solta nos quintais daqueles anos 50, em Capanema. Não que os relógios fossem relevantes, havia no entanto, a hora do café com pão, a mesa posta, a sesta sagrada dos mais velhos, o banho de igarapé. E havia a hora do trem, no fim da tarde, trazendo a única rês a ser abatida para abastecer a cidade que o mesmo bando de meninos curiosos acompanhava desde o desembarque. O animal era amarrado a duas cordas, esticadas para um lado ou outro, conforme a necessidade, na condução do condenado, nem sempre dócil, pelas ruas de areia.
O Curro municipal era uma construção antiga. O telhado alto,    
o curral de madeira sobre o piso  encardido de sangue e desenhado nas falhas do cimento. E a gente podia assistir bem de perto o golpe mortal que fazia jorrar do pescoço a torneira jugular correndo para a vala e dali para a terra vizinha onde outros bichos iam ciscar. E era ali que os homens abriam e dividiam a carne em comercio.
Como era violenta a natureza daqueles dias. Como era comum procurar o melhor lugar na plateia daquele espetáculo cru e
cotidiano. Na casa, entre orações e agradecimentos, devorava o cozido saboroso posto à mesa farta da infância.
                                                               
                                                                  Emmanuel Nassar

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